Hard Skills, Soft Skills e Mad Skills sob o olhar de um líder de Engenharia
O mercado de trabalho no setor de engenharia é caracterizado por ser desafiador, dinâmico e estar em constante mudança. Isso faz com que líderes busquem nos candidatos habilidades e características únicas na hora da contratação. As já conhecidas hard skills e soft skills dão espaço para mais um conjunto de habilidades, as mad skills.
Neste post, temos a oportunidade de conversar com Alexandre Polezzi, Diretor de engenharia da Vibra Energia (antiga BR Distribuidora), para entender como esses skills são importantes para eleger um potencial candidato. Com mais de 20 anos de experiência na área de gestão de projetos (Engenharia CAPEX) e de operações industriais em siderurgia, mineração e óleo e gás, no Brasil e em outros países, Polezzi tem um olhar atento para identificar as competências que fazem a diferença no desempenho e na capacidade de adaptação de um profissional. Acompanhe a entrevista.
Hard Skills: Analisando a base técnica
As Hard Skills, ou habilidades técnicas, são vistas como base essencial para qualquer profissional da engenharia. Elas representam o conhecimento específico e a competência prática que permitem a execução de tarefas técnicas com precisão. Desde cálculos estruturais até o domínio de softwares especializados, as Hard Skills são fundamentais para garantir que os projetos sejam realizados dentro dos padrões de qualidade e segurança exigidos pela indústria.
Quais são as principais hard skills que você considera indispensáveis para o setor de engenharia?
Essa é uma pergunta interessante, pois sempre quando falamos sobre esse setor, acabamos pensando em habilidades e requisitos mais técnicos.
Bom, ainda considero que as hard skills mais importantes para os engenheiros são as básicas, relacionadas à física, matemática e raciocínio lógico.
Entretanto, como estamos vivendo em um mundo em constante transformação, incluiria nessa lista a capacidade de ser autodidata. Saber buscar conhecimentos de forma rápida e aplicá-lo nas tarefas do dia a dia é fundamental pois novas descobertas podem abrir novos horizontes.
A partir dessa base, acredito que exista um grupo específico de competências e conhecimentos, de acordo com o perfil, interesse e oportunidades de cada profissional, como mostra a figura abaixo. Nela, colocamos de forma didática as duas possibilidades de carreira (liderança ou técnica) cruzando com as trajetórias generalista ou especialista. Muito comum pensarmos somente na primeira, mas para desenvolvimento de know-how, super importante pensarmos na segunda, a questão das trajetórias.
As habilidades técnicas do engenheiro mudam de acordo com a sua trajetória; se de especialista ou de generalista.
Os especialistas devem conhecer empresas e tecnologias do setor, aprofundando-se nos
assuntos e conhecendo novas tendências da área.
Já os generalistas podem focalizar a sua atenção em expandir a sua visão em áreas correlatas.
Por exemplo, um gestor de projetos com formação em mecânica, deve colocar esforços em aprender mais de elétrica, civil, automação, segurança, meio ambiente, e não aprofundar mais em mecânica.
Quais as dicas para manter essas habilidades técnicas atualizadas em um campo que evolui tão rapidamente?
Realmente esse é um grande desafio. Gosto do conceito de aprendizagem criado por Morgan McCall nos anos 60, da chamada Teoria 70:20:10.
Nesse conceito aprendemos muito mais fazendo (70%) e interagindo (20%) do que em uma sala de aula (10%).
Com isso o autor não quer dizer que a educação formal não é importante. Mas que não podemos
parar nela. Muita gente acha que fazer uma pós, um MBA, ou um mestrado já resolve tudo e não
é por aí.
Segundo esse autor, evoluímos muito mais em nosso desenvolvimento quando estamos dispostos a compartilhar e praticar aquilo que aprendemos. Adultos aprendem diferentemente de crianças.
Dessa forma, considero que as palavras-chave para nos ajudar nessa tarefa de nos mantermos atualizados poderiam ser curiosidade e agilidade. Ou seja, ter interesse em buscar e aprender sobre algum assunto, com velocidade e de forma aplicada ao objetivo, em empresas similares (benchmarking), em consultorias da área ou em fornecedores de equipamentos e/ou serviços.
E não tem como não terminar com um spoiler: uma boa hard skill normalmente vem acompanhada de uma boa soft skill pois estão intimamente relacionadas à capacidade de conexão e paixão por aprender. Logo mais voltaremos nelas.
Quais foram as Hard Skills mais desafiadoras para você desenvolver ao longo de sua carreira?
Tive a oportunidade de gerir diferentes áreas durante minha carreira, passando pela manutenção, operação industrial, logística, planejamento até marketing e vendas.
Essa bagagem me ajudou muito a compreender o funcionamento de todo o processo quando assumi a liderança da engenharia Capex de um grande grupo siderúrgico.
Comento isso pois acredito que a grande questão aqui não tem a ver com um conhecimento técnico específico, mas sim uma postura aberta para o novo, com humildade para recomeçar e aprender sempre.
Por exemplo, a cada mudança de área, além de buscar nos livros, eu anotava termos e ideias que não conhecia e chamava os meus especialistas para me dar uma aulinha dos assuntos diferentes. E em pouco tempo já estava no jogo!
Soft Skills: O comportamento e interação
Enquanto as hard skills garantem a competência técnica, as Soft Skills se tornam essenciais especialmente quando se trata de liderança e trabalho em equipe. Essas habilidades interpessoais, como comunicação eficaz, resolução de conflitos, empatia, e capacidade de liderança, são fundamentais para construir um ambiente colaborativo, motivar a equipe e garantir que os projetos fluam de maneira harmoniosa.
Para você, como as habilidades interpessoais impactam o sucesso de um projeto?
Impactam muito! Realmente considero que as soft skills são as habilidades mais importantes de um profissional moderno.
Quem é da minha época e conhece o ‘Professor Pardal’, sabe que hoje em dia é impossível ter uma ideia brilhante e fazer tudo sozinho como costumava fazer esse personagem.
Hoje em dia precisamos sair do óbvio, desenvolver nossas habilidades de comunicação, de liderança (situacional) e, até mesmo, de vendas.
A todo tempo, o profissional precisa aprender, ensinar, convencer que a sua ideia ou projeto é bom, liderar para que seus objetivos aconteçam. Tudo se trata de conexão.
Em que momento do processo de recrutamento você acredita que as Soft Skills se tornam mais evidentes?
Percebo que muitas entrevistas por aqui, no Brasil, ainda seguem o modelo de checagem de currículo e debate sobre experiências e formação dos candidatos. Com isso acabamos perdendo uma excelente oportunidade de entender o profissional e de ‘vender’ a empresa e a vaga para a pessoa, numa via de mão dupla.
Em entrevistas que participei em outros países como Estados Unidos e Austrália, um maior tempo da entrevista é dedicado para conhecer outros aspectos do profissional, com perguntas assim: “me fala o que não está escrito no seu currículo?” ou “qual é o seu estilo de liderança?”.
A partir da experiência que tive nessas entrevistas, tenho a sensação de que os RHs mais estratégicos passam a valorizar mais o “como” do que o “o quê”.
Uma boa dica pode ser a aplicação de algum teste de personalidade, como DISC, ENEAGRAMA, MBTI, HOGAN, Barret, entre outras, antes do bate-papo com o candidato. Nesses testes, podemos ter referências como perfis mais analíticos ou intuitivos, ou ainda entender valores-chave como nível de segurança, altruísmo, etc, que acabam sendo referências muito boas para guiar o profissional nos 4 quadrantes da figura.
Tenho tido bons resultados investindo um tempo extra nessa análise mais profunda dos perfis, para conseguir distinguir com mais clareza os soft skills dos profissionais e verificar se estão alinhados à vaga pretendida e, talvez o mais importante, ao perfil da equipe.
Na visão de um tabuleiro de xadrez, a existência de perfis complementares dentro de uma equipe tende a ser uma melhor opção quando comparado a ter equipes com perfis semelhantes. A diversidade, seja técnica, comportamental ou de qualquer natureza trazem uma variedade de visões que sem dúvida trarão debates que contribuirão para uma melhor performance do time.
Como você lida com conflitos na equipe e quais Soft Skills você aplica nessas situações?
Fazer esses testes de personalidade que comentei acima com todos da equipe a cada ano ajuda muito na identificação de perfis conflitantes numa mesma equipe e podemos fazer ações preventivas quando conhecemos mais sobre as pessoas da equipe.
As sessões regulares de conversas com os gerentes e coordenadores também ajudam muito
nesse sentido.
Acredito que, quando estimulamos o autoconhecimento e temos essa abertura para troca de ideias conseguimos evitar que uma divergência saudável, que gera o contraditório positivo, vire um confronto. Isso gera um clima de segurança psicológica e as discussões passam a ser sobre os assuntos e não disputas pessoais.
Outra técnica interessante que vale aplicar é a do “I, We, It”, em que pensamos os minutos iniciais para cada reunião ou time de trabalho, em:
– “I”: Como me sinto? O que eu espero?
– “We”: O que esperamos dessa conversa, desse time? Quais são os nossos acordos? e
– “It”: Qual o tema?
Sempre que valorizamos uma abordagem mais humana, dando espaço para a expressão de sentimentos e da vulnerabilidade de cada um, acabamos neutralizando os conflitos antes que eles se tornem problemas.
Quais são os maiores desafios em cultivar Soft Skills em um ambiente técnico?
Tive a oportunidade de aprender um modelo interessante em uma sessão de mentoria que fala justamente sobre o equilíbrio entre as três dimensões que temos no nosso dia a dia como profissionais: a técnica, a humana e a de negócios.
Quanto mais alta a posição hierárquica da pessoa, normalmente menos tempo ela passa na dimensão técnica e mais horas são dedicadas ao negócio e à dimensão humana.
Acredito que justamente esse afastamento da área técnica é o que costuma ser um grande desafio para os engenheiros, aprendendo fazer as perguntas que realmente importam numa visão mais macro, de conhecimento ou sabedoria, com menos detalhes.
Para aqueles que já são líderes, o grande desafio é se desvincular de tarefas, função da equipe, e checagens excessivas, enfocando em gestão processos e pessoas.
Mad Skills: O diferencial único
Mad Skills são aquelas habilidades únicas ou criativas que muitas vezes não se encaixam nas categorias tradicionais, mas que podem oferecer um diferencial competitivo significativo. Elas podem incluir hobbies ou interesses pessoais e que fazem um profissional ser diferente e especial.
Como identificar e avaliar Mad Skills durante um processo de recrutamento?
Mais do que um bom currículo, valorizo boas histórias. E elas podem ser as mais diversas possíveis: sobre viagens, hobbies, vivências, desafios, superações.
De forma leve, conseguimos dicas sobre o perfil do candidato, mostram o que valorizam, como resolvem problemas, como empreendem ou tem disciplina na rotina, como saem de situações que não tem a resposta pronta. E, talvez, o mais importante, se estão buscando seu autoconhecimento e entendem suas fragilidades. Em síntese, buscamos o que há de humano sob a pele daquele candidato.
Mad Skills são mais fáceis de desenvolver em comparação com Hard e Soft Skills?
O ideal é que andem juntas. Por exemplo, quando uma pessoa aprende a tocar um instrumento musical, sem perceber, está aprendendo matemática ou trabalho em time. O mesmo acontece quando alguém vai viajar e conhecer novas culturas, acaba exercitando a sua flexibilidade.
Tudo anda junto. O desafio é saber como relacionar as coisas e trazer isso para a sua rotina e/ou desenvolvimento pessoal e profissional.
Quais são alguns exemplos de Mad Skills que você encontrou em sua carreira e como elas impactaram seu trabalho?
Sou apaixonado por culturas, viagens e história.
Mas vou te dar como exemplo o período em que fiz yoga com a minha família no tempo em que moramos no México. Nossa professora era muito especial e aquele momento virou algo muito maior do que exercícios de alongamento.
Antes de cada sessão ela compartilhava alguns conceitos do mundo oriental e contava sobre o estilo de vida dos indianos. Entre outras coisas, a partir das histórias e compartilhamentos mudei a minha forma de ver alguns processos e percebi que mesmo tendo o foco no curto prazo em “fazer projetos por meio de pessoas”, aprendi que é possível construir uma nova perspectiva a longo prazo e “fazer pessoas por meio de projetos”.
A gente nunca sabe o momento em que a chave pode virar na nossa cabeça. Às vezes o nosso ‘eureka’ acontece lendo um livro ou ouvindo um jazz. Só precisamos estar abertos para que essa energia flua!
Como você incentiva o desenvolvimento de Mad Skills entre seus colaboradores?
Nas conversas individuais com a equipe, não discutimos somente metas, indicadores ou projetos.
Dedicamos boa parte do nosso tempo juntos falando sobre propósito pessoal, alinhamento de expectativas com ações e como encontrar um caminho mais bonito e prazeroso para que tenhamos orgulho no futuro do que fizemos.
Tenho aprendido que a plenitude pode ser encontrada na música, na dança, no esporte, na espiritualidade, na conexão com pessoas diferentes, na caridade, entre outras tantas formas. É incrível como quando estamos buscando o nosso autoconhecimento, acabamos influenciando positivamente as pessoas a nossa volta a também buscarem momentos de introspecção, inspirando-as a praticarem com maior consciência as suas Mad Skills.
Existem Mad Skills que são particularmente valiosas em um ambiente de engenharia específico ou em um tipo de projeto?
Talvez, mais importante do que qual habilidade, seja saber como trazê-la para o nosso ambiente de trabalho.
No passado éramos incentivados a ter duas vidas (uma profissional e uma pessoal). Hoje entendemos que somos um único ser e passamos a valorizar mais momentos de qualidade de vida dentro e fora das empresas.
Isso certamente contribuiu para um contexto de maior diversidade. Que positivo ter pessoas na equipe que tocam na igreja, esportistas, que gostam de viajar, que fabricam cerveja em casa, que vão distribuir sopão para os mais necessitados, que gostam de escalar ou que simplesmente tiveram um filho com necessidades especiais e começaram a entender a vida sob outra ótica – exemplos reais das minhas equipes.
Para mim, a função do líder é garantir a existência de espaços para troca, para que as pessoas possam nos presentear com os aprendizados e visões diferentes do mundo.
Você já tomou decisões de contratação baseadas principalmente nas Mad Skills de um candidato? Como foi essa experiência?
Difícil dizer que uma decisão assim seja tomada somente pelas Mad Skill. Acredito na ideia do combo! A história da pessoa, sua personalidade e valores que vêm junto.
Vale dizer que uma mad skill não precisa ser algo extraordinário para que tenha valor. Pode ser cuidar de uma horta em casa ou acompanhar o mercado financeiro, não importa.
O grande desafio é entender como essa atividade pode se conectar com os planos de desenvolvimento de cada um e inspirar a equipe.
Que conselho você daria para engenheiros que desejam crescer em suas carreiras e assumir posições de liderança?
Algumas consultorias de RH consideram três níveis de maturidade dos profissionais: júnior, pleno e sênior (ou I, II, III). Por mais que a função possa ser a mesma, podemos considerar que em cada faixa, comportamentos distintos são esperados já que estamos falando em fazer o mesmo com níveis de profundidade/ complexidade diferentes.
Por exemplo, enquanto um engenheiro júnior precisa de supervisão para cumprir certas atividades, o profissional pleno as realiza de forma independente. Já o engenheiro sênior participa da coordenação de projetos ou times (liderança situacional), difunde conhecimento, inova.
Então uma boa dica para quem quer crescer dentro dessa escala é buscar se preparar para as atividades do próximo degrau, aumentando a abrangência de suas ações.
Agora, para as funções de liderança, considero fundamental a mudança de conceito de resultado por meio de tarefas para pensamento em processo, times e pessoas. Nesse conceito, as soft skills sobem muito de importância. Para saber mais sobre isso, recomendo a leitura do livro ‘Pipeline de liderança’ do Ram Charam.
Agora, independentemente do cargo, algo essencial não somente para crescer dentro da empresa, mas para ter uma visão mais clara sobre a vida, recomendo a busca pelo autoconhecimento e entendimento do seu perfil de personalidade e valores.
Importante: acredito que todos podem buscar qualquer caminho, mas, de acordo com o perfil, existem caminhos mais naturais considerando os 4 quadrantes da figura acima. Sair do caminho natural pode significar mais esforço ou mesmo trabalhar em constante desconforto. Se for esse o caso, recomendo uma reflexão sobre as motivações de buscar esse caminho.
Citei em questões anteriores alguns que uso com a minha equipe. Muitos deles conseguimos fazer gratuitamente pela Internet.
Entender como somos, o que nos alavanca e que nos limita é muito importante para crescermos como engenheiros e como seres humanos. Nossa cultura é de buscar objetivos ou metas, mas, muitas vezes, a felicidade pode estar em aproveitar a jornada e a companhia das pessoas.
Agradecemos ao Polezzi por compartilhar suas experiências e insights conosco. Sua visão destaca a importância dessas habilidades, que têm o poder de transformar um profissional e nos lembra que, ao procurar e cultivar essas competências na hora do recrutamento, podemos formar equipes mais robustas e adaptáveis, capazes de enfrentar os desafios do setor de engenharia com criatividade e eficácia.